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terça-feira, 5 de outubro de 2010

UM ANO SEM O PASTOR

Falar de um amigo não é tarefa fácil. O coração pode ofuscar a razão ou por esta ser silenciado. Podemos ser parciais, incompletos ou até mesmo injustos. E você leitor, perdoe-nos as limitações deste texto sobre monsenhor Américo Simonetti. Acreditamos, no entanto, poder resumir sua vida e atividade sacerdotal numa só palavra: pastor. Aliás, é impossível falar do clero mossoroense sem citar seu nome e o de padre Sátiro Cavalcanti. Um é o pastor, o outro o educador.


Conheci padre Américo, em meados de 1957, quando acompanhava dom Eliseu Mendes em uma visita a Jucurutu para verificar as obras da construção da maternidade daquele município, erigida com recursos da Missão Rural. A vida nos aproximou novamente na década de sessenta, após a minha ordenação. Como coordenador da pastoral da diocese de Caicó, encontrávamo-nos sempre nas reuniões da província. Sua preocupação era traduzir o Evangelho numa linguagem acessível. Queria a Igreja de Mossoró, sob o impulso do Concílio Vaticano II, perto do povo, sem ser populista. Pretendia uma liturgia viva, participada e inculturada, sem destruir o seu encanto e mistério próprio das coisas sagradas. Aspirava por comunidades de mãos estendidas, imitando Cristo, morto na cruz de braços abertos, num gesto de quem deseja tocar os homens e o mundo.

Dom Gentil Diniz, em sua sabedoria, percebeu o valor de padre Américo e o trouxe de Açu para Mossoró, confiando-lhe novas tarefas, desempenhadas com amor e criatividade. Aliás, este era um de seus carismas. Monsenhor Américo inovava sem descaracterizar. Trazia o novo sem destruir o velho. É próprio dos sábios. Cristo também trouxe o Evangelho sem aniquilar a cultura do seu povo. Ao contrário, trouxe-a para dentro da realidade da sua Boa Nova. O amor de Américo pela Igreja foi tão grande, que o fez renunciar ao episcopado. Atitude incompreendida, à época, fazia parte do seu temperamento e vocação. Os profetas não são talhados para a administração. Um bispo é teológica e pastoralmente administrador. Américo era pastor e profeta. Talvez os compromissos episcopais o impedissem de criar e renovar. São Jerônimo foi um dos primeiros a não aceitar o episcopado, pois queria dedicar-se exclusivamente à tradução da Palavra de Deus. Américo agiu de modo semelhante, dezesseis séculos depois.

Servidor de Cristo e da Igreja, padre Américo foi para muitos consolo e esperança. Cabe-lhe de forma apropriada o que está escrito no profeta Isaías: Deu-me o Senhor Deus uma língua adestrada, para que aos desanimados eu saiba ajudar com uma palavra de alento (Is 50, 4). Quem conhecia e se aproximava do monsenhor, lembrar-se-á daquilo que disse o Mestre: Vinde a mim vós todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei (Mt 11, 28). Para muitos, ele trouxe esperança e ânimo para carregar a cruz de cada dia, fonte de vida, paz e libertação. Padre Américo foi um sacerdote piedoso sem se tornar piegas, um homem terno sem manifestar fraqueza, um padre cheio de doçura sem transparecer condescendência.

Monsenhor Américo entendeu que a paróquia deve ser espaço de evangelização e ajuda aos irmãos. Foi pensando assim que reformulou a festa de santa Luzia. Para ele, era importante que ela fosse também um lugar de descoberta de Cristo, que caminha aparentemente desconhecido a nosso lado – como acontecera aos discípulos de Emaús, quando as palavras do Mestre ardiam em seu coração e os convidavam a abrir os olhos para o mistério da Vida e da Ressurreição.

O que encantava em monsenhor Américo era sua inteligência e simplicidade, seu jeito de ser discreto, humilde e piedoso. Ao conversar com ele, parecia que estávamos ouvindo santo Agostinho, bispo de Hipona: Senhor, torna-nos capazes de viver com amor nossa vocação, como verdadeiros enamorados da beleza espiritual..., não como escravos subjugados por uma lei, presos a costumes e tradições, mas como homens livres, guiados pela graça divina.

Texto- Pe João Medeiros

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